Meca-Cola: quando a bolha da moral tenta gaseificar o capitalismo …sobre como um refrigerante nasceu da contestação, surfou uma onda política e acabou frente a frente com as regras duras do mercado — incluindo as portuguesas.
O sabor da ideia antes do sabor do copo Não é choque doce como a “original” de Atlanta, nem tem o amargo enigmático que cria fidelidades. Sabe a cola. Ponto. O resto não está no líquido: está no rótulo, no nome e no subtexto — beber uma posição. No início dos anos 2000, nasce a Meca-Cola, criada por Tawfik Mathlouthi (francês de origem tunisina). A promessa: alternativa ao império cultural americano; consumo convertido em causa, lucro em caridade. Era o tempo certo — guerra do Iraque, ruas cheias, cartazes erguidos. O slogan vendia um lugar moral na prateleira.
Boicote engarrafado: quando o rótulo grita mais alto que a receita A fórmula não podia ser só açúcar + gás + cafeína. Era preciso narrativa. A Meca-Cola apresentou-se como “compra de consciência”: parte dos lucros para causas sociais/palestinianas, gestos públicos de doação e discurso que misturava crítica política com marketing. Funcionou no arranque: manifestações, media, curiosidade. A garrafa virou símbolo portátil de dissidência. Depois veio o mercado real: preço, distribuição, consistência, transparência — e paladar que fideliza. A espuma baixou.
Da lenda ao inventário: o que ficou, o que caiu, o que mudou
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Narrativa não substitui logística. Sem capilaridade, um refrigerante não existe para a maioria.
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Caridade não substitui confiança. Sem relato auditável, o buy to give cansa — sobretudo com dúvidas e opacidades.
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Política não substitui paladar. Passada a euforia ideológica, valem gosto, preço e disponibilidade.
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O gigante reage. Marcas dominantes ajustam campanhas, formatos, preços e ocupam cada esquina.
Resultado: a Meca-Cola sobrevive em nichos, esmorece noutros; resiste em redes étnicas, comércio de proximidade e picos sazonais (ex.: Ramadão em mercados europeus). Outras “colas de identidade” (Qibla-Cola, Cola-Turka, ZamZam…) ficaram regionais, mudaram de rumo ou desapareceram. O discurso moral não criou uma categoria global.
Portugal: prateleiras que pedem mais prova e menos proclamação Por cá, Coca-Cola e Pepsi dominam; Sumol e outras marcas nacionais lideram nos sabores; taxa do açúcar empurrou para reformulações e preferência por light/zero. Em grandes superfícies, “colas políticas” são raras; vivem mais em mercearias de comunidade ou lojas especializadas. Quem manda continua a ser preço, sabor e força promocional. O consumidor português recente:
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Lê rótulos por causa do açúcar;
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Pede transparência na origem/destino de doações;
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Valoriza sustentabilidade (embalagem, reciclagem, pegada);
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Gosta de campanhas com causa, mas desconfia quando a causa é o produto e não a prática.
Resumo: política chama atenção; hábito compra o que funciona — chega a todo o lado, não pesa na carteira e tem versão sem açúcar.
Gás sem buracos: perguntas a fazer antes de abrir a carteira
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Impacto real? Percentagem doada, para quem, como e quando — há relatórios públicos?
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Quem certifica? Promessas halal, éticas, ambientais — existe selo credível?
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E depois da campanha? Fica produto sólido (sabor, preço, canais) ou foi fogacho?
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Coerência? Discurso bate certo com práticas laborais, fornecimento, parcerias?
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Saúde? Açúcar por 100 ml, versão zero, formatos pequenos — causa não apaga efeito metabólico.
Isto não é cinismo; é alfabeto de consumidor adulto.
Marketing com fé (no consumidor): quando a causa ajuda — e quando atrapalha Campanhas com causa funcionam quando a doação é consequência, não pretexto; quando há reporting rigoroso; quando não se empurra o cliente para guerras simbólicas. Não é preciso demonizar um país para apoiar uma comunidade. Moral do gás: a causa é tempero, não é receita.
A vida real da prateleira: por que é tão difícil derrubar uma cola?
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Escala industrial: consistência lote a lote, fornecimento e validade.
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Negociação de espaço: prateleira finita; grandes marcas pagam e promovem.
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Rede fria e impulso: logística, vending, cafés, eventos.
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Portfólio completo: light, zero, sem cafeína, 200 ml, 1,5 L, multipacks — sem variedade, perdem-se ocasiões.
Quem fica não é quem grita mais alto — é quem executa melhor.
E afinal, é possível beber ética? Sim — com pés no chão. Ética no copo é:
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Menos açúcar no dia a dia; zero quando fizer sentido.
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Marcas com relatórios de impacto regulares, sem espuma política.
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Retoma/reciclagem, reutilizáveis, latas com reciclagem efetiva.
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Apoio local que se vê: patrocínios a associações e projetos próximos.
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Escolha consciente e rotina desideologizada: refrigerante é prazer, não bandeira.
Doar diretamente às causas pode ser mais transparente; quando apetecer um refrigerante, escolher pelo que é e pelo que sabe, não por promessas vagas.
Guia rápido para tomar posição sem megafone
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Ajudar? Definir a causa e doar por canais claros.
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Variar? Experimentar artesanais locais (colas, limonadas, infusões com gás) — há Portugal a borbulhar.
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Cuidar? Formatos pequenos e zero; água com gás e café resolvem sede e ritual sem overshoot de açúcar.
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Coerência? Comprar o que se consegue explicar: quem faz, como faz, para onde vai.
O lugar da Meca-Cola na história: uma definição possível Entrou como protesto, fixou manchetes, vendeu identidade e bateu no teto do mercado. Não derrubou o Ocidente, não salvou o Oriente, não reinventou a roda. Deixou, porém, uma lição: o consumo quer dizer coisas — e as marcas sabem. Muitas campanhas “responsáveis” de hoje bebem dessa fonte: clientes não compram sermões; compram práticas visíveis.
Epílogo: o que fica (para lá da garrafa) A ética do copo começa antes da prateleira: no que se lê, no que se pergunta, no que se decide não comprar. Uma bebida é gesto pequeno; o hábito desenha caráter. O rótulo pode ser megafone, mas o paladar é juiz. Brindemos com escolhas de olhos abertos — água com gás, uma cola famosa, uma artesanal portuguesa ou, quem sabe, uma Meca-Cola que prove que cresceu. O capitalismo não se converte por decreto; escuta quando o consumidor fala claro, alto e com recibo. by myfoodstreet 2025

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