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Margarina… a Manteiga dos Pobres Como um substituto humilde conquistou o mundo
O Início: Uma Receita Improvável Misture sebo e óleo, aqueça com leite, crosta de pão, erva de artemísia e cebola picada… e terá, segundo os registos de 1864, um substituto artesanal para a manteiga. Essa mistura curiosa foi adquirida por um magistrado de Frankfurt numa época em que havia uma preocupação crescente: o que é que as pessoas espalhavam no pão? A manteiga era cara, pouco durável, e facilmente se estragava. Muitas vezes sabia mal, fruto de um processo de produção e conservação imperfeito. Era urgente encontrar uma solução mais acessível, estável e capaz de alimentar não só as famílias mais humildes, mas também soldados no campo e no mar.
O Desafio: Criar uma Manteiga Artificial A busca por esta “manteiga dos pobres” mobilizou inventores, químicos e boticários. O objetivo era simples de dizer, mas difícil de alcançar: criar algo barato, nutritivo e duradouro. Em 1869, o governo francês lançou um concurso que mudaria tudo. O vencedor? Hippolyte Mége-Mouriès, um químico que ousou olhar para a natureza e tentar reproduzir, em laboratório, o milagre que as vacas já faziam todos os dias.
O Nascimento da Margarina Mége-Mouriès inspirou-se nos processos naturais da manteiga e, após várias experiências, desenvolveu o que chamou de óleo margarina. Primeiro, derretia e clarificava sebo bovino ou gordura de rim animal. Depois, separava os componentes sólidos — estearina e palmitina. Seguia-se a mistura com leite e um ingrediente peculiar: úbere de vaca esmagado, dissolvido em água. Tudo fermentava num barril até se formar uma pasta cremosa. Não podia ser chamada de manteiga — a lei francesa era clara. Assim, nasceu a palavra que correria o mundo: margarina. No início, não era perfeita. Mas tinha uma vantagem preciosa: durava mais e não ficava rançosa tão rapidamente. Isso foi suficiente para abrir caminho à sua produção industrial.
A Revolução Industrial e a Ascensão da Margarina A margarina era um produto moderno para um mundo em mudança. Enquanto a manteiga dependia das condições agrícolas, a margarina adaptava-se às necessidades da vida urbana e industrial. Era barata, fácil de transportar, e podia percorrer longas distâncias — ideal para abastecer cidades em rápido crescimento. As fábricas multiplicavam-se e a qualidade melhorava. Mais macia, mais saborosa, até enriquecida com vitaminas, a margarina deixou de ser apenas um remendo barato. O marketing tratou do resto: embalagens apelativas, marcas icónicas como Butterine, Sanella, Sana, Rahma e Vaqueiro entraram nas cozinhas e nos corações das famílias. A “manteiga artificial” conquistava agora todas as classes sociais.
Escassez, Inovação e a Química que Mudou Tudo No início, a margarina dependia da gordura animal. Mas a procura cresceu e a oferta era limitada. A solução surgiu com a Revolução Industrial nos Estados Unidos, que trouxe matadouros mecanizados, transporte ferroviário e refrigeração — garantindo um fluxo constante de gorduras brutas. A viragem definitiva veio em 1902, quando Wilhelm Normann desenvolveu um processo para solidificar gorduras líquidas, ligando hidrogénio aos ácidos gordos. Isso abriu portas para usar gorduras vegetais e óleo de baleia — matérias-primas abundantes e antes inúteis.
O Império da Margarina Enquanto fábricas alemãs hesitavam em adotar a nova tecnologia, empresários holandeses — Jurgens e Van den Bergh — viram a oportunidade e dominaram o mercado europeu. Nos anos 1930, quando se juntaram ao Grupo Lever, passaram a controlar 75% da produção mundial de margarina. De produto improvisado para suprir necessidades básicas, a margarina transformou-se num símbolo da capacidade humana de reinventar a própria alimentação — e num exemplo claro de como a indústria e o marketing podem reescrever a história de algo tão simples quanto o que colocamos no pão.
Epílogo – Entre o Pão e a História Era para ser apenas um substituto. Nasceu humilde, com sabor estranho e origens questionáveis. Mas, como tantas criações humanas, cresceu para muito além da sua função original. Hoje, a margarina é um daqueles produtos que usamos sem pensar, mas cuja história nos lembra que até o mais banal dos alimentos carrega consigo o peso de séculos de necessidade, engenho e ambição.
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global