Quando Tudo é Pouco… e o Pouco é Muito
Agarrar com unhas e dentes uma paz que te é confiada, uma vida, um espaço onde podes ser tu, onde és cuidado nas horas mais difíceis… será isso pecado? Deus me livre de outras histórias. Porque quando finalmente se encontra um refúgio, mesmo que frágil ou passageiro, há que o defender como quem guarda um segredo antigo, precioso.
Lutar e dar o máximo de ti por algo em que acreditas, com entrega total, sem reservas, dias e noites a fio, sem sequer contar o tempo… parece um exagero? Talvez. Mas há causas que merecem esse tipo de entrega, mesmo quando o mundo à volta desacelera, ou pior: não compreende.
Vivemos tempos onde a exaustão é a moeda corrente, e onde, paradoxalmente, o esforço genuíno é visto com desconfiança. Será normal, nos dias de hoje, dedicar-se de corpo e alma a algo sem esperar retorno imediato? Talvez não. Mas foi o que fizeste.
Uns anos depois… 2020. Um marco, um abalo, uma paragem forçada que ninguém pediu. E, com ela, a oportunidade (ou imposição) de olhar para trás. Repensaste tudo — os teus sonhos, os teus projetos, a tua entrega. Perguntaste a ti mesmo se aquilo em que acreditavas não passou de miragem. Talvez os resultados tenham sido poucos. Talvez as discussões acesas tenham posto a nu a fragilidade dos teus ideais.
E sim, alguns sonhos dissolveram-se. Como neve ao sol. Como palavras esquecidas no tempo. Porque o tempo tem essa capacidade cruel: dilui o que é frágil, apaga o que não é forte o suficiente para ficar.
Mas valeu a pena?
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”
A frase, ouvida vezes sem conta, ainda ressoa dentro de ti. Sim, valeu a pena. Porque, mesmo quando os frutos não foram abundantes, as raízes ficaram mais fortes. Acreditar é dar vida aos sonhos. É dar carne à alma. É resistir.
Não foi uma derrota. Foram dias de formação. Experiências que se encaixaram como tijolos na muralha da tua vida. Cada esforço, cada noite mal dormida, cada desilusão foi também uma lição. E isso, ninguém te tira.
Houve, claro, momentos de combate extremo. Batalhas em que entraste sem saber se tinhas armas. Batalhas que perdeste. Mas mesmo essas valeram a pena, pelas cicatrizes que deixaram — cicatrizes que hoje contam a história da tua resistência. Às vezes, até da derrota sobra um ar tímido de vitória. E isso é mais do que muitos conseguem.
Ser positivo é um dom. E, se o tens, cultiva-o. Porque em tempos de cinzento, quem vê a cor é rei.
Hoje, restam os escombros. Anos de trabalho, de conquistas, de vitórias silenciosas. E tu, como tantos, tentas erguer algo novo a partir daí. Mas a luta é desigual. E, o mais difícil: não tens um inimigo definido à tua frente. Não sabes quem enfrentar. Ou talvez saibas, mas não se pode dizer em voz alta. É tabu.
Vivemos rodeados de realidades invisíveis que nos vão acordando, abanando, abafando e adormecendo ao mesmo tempo. Num paradoxo cruel, somos forçados a adaptar-nos enquanto perdemos partes de nós. E mesmo assim, continuamos.
Não há voltar atrás. Nunca. Voltar atrás seria renegar tudo o que aprendeste. E não se pode apagar o caminho só porque ele foi duro. Carregas agora a bagagem do vivido. Das escolhas certas e das erradas. Das palavras ditas e das que ficaram presas na garganta.
Nos dias que te seguem, o pouco é muito.
E até agora, sim… tudo foi pouco na tua vida.
Mas esse pouco foi inteiro. Foi verdadeiro. Foi teu.
E é nesse pouco que resides agora.
Na simplicidade das coisas pequenas.
No gesto discreto, no olhar atento,
na pausa entre dois silêncios.
Porque é aí que está a grandeza.
Porque quando tudo é pouco… e o pouco é muito, é sinal de que já aprendeste a medir a vida com a régua certa. E isso, por si só, já é uma forma de vitória.
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