A História da Batata – Um tubérculo conquista a Europa

A investigação sobre as origens da batata nos leva até os Andes, no sul do continente americano, onde é cultivada há séculos, nas zonas mais altas e distantes da Europa. Monges espanhóis a introduziram na Europa durante a segunda metade do século XVI, com o propósito de consumo próprio. No entanto, o interesse despertado por esse exótico tubérculo entre as camadas mais eruditas da época fez com que seu conhecimento se disseminasse rapidamente.

Inicialmente, a batata despertou a curiosidade dos estudiosos devido às suas possíveis influências na saúde humana, sendo batizada com diversos nomes. Terão sido suas qualidades medicinais que levaram o rei Filipe II da Espanha a oferecer ao Papa Pio IV, que sofria de reumatismo, um carregamento de batatas. Como condição para uma cura perfeita, o rei fez saber ao papa que este precisava acreditar fielmente no poder curativo do tubérculo. Segundo crônicas da época, o “tartuffoli”, como era chamado na Itália, teria até sugerido ao papa inspirações para jogos de amor.

A incorporação da batata nos hábitos alimentares europeus foi um processo lento. Compreensível, se considerarmos que seu valor medicinal sempre foi colocado acima de seu valor nutritivo… E não é fácil convencer as pessoas a consumirem regularmente um alimento que é visto mais como remédio do que como comida.

O cultivo em grande escala só começou no final do século XVIII, embora seu consumo já estivesse disseminado em várias partes da Europa. Na Bélgica, por exemplo, a cultura da batata para consumo teria começado em 1680, e, segundo registros da época, fazia parte integrante das refeições. Essa popularidade foi confirmada internacionalmente em 1773, quando um viajante francês, ao regressar a Paris, afirmou sobre os flamengos: “Que corpulência e ar saudável têm os senhores de Flandres.”

E era verdade! A batata estava tão enraizada nos hábitos belgas que, na luta contra os invasores austríacos, chegou a ser utilizada como arma de resistência.

A resistência e difusão da batata

A difusão da batata aconteceu naturalmente, ao longo de séculos. Apesar de certos conservadores culinários, que periodicamente criticavam seu consumo, alegando insipidez e problemas intestinais causados por sua ingestão, períodos de guerra e fome impulsionaram sua expansão, especialmente entre as camadas mais pobres.

Os nobres, por outro lado, evitavam a batata. Mesmo os reformistas do século XVIII, que a descreviam como um alimento de grande importância nutritiva e de sabor intenso – não apenas para os pobres, mas também para as classes mais altas –, não conseguiram convencer a aristocracia a adotá-la. Afinal, preservar a fragilidade dos estômagos nobres era uma prioridade.

Em 1782, um tal Legrand d’Aussy escreveu: “De sabor farinhoso, insípida e de cultivo duvidoso, vinda de uma terra suja, de difícil digestão, é boa para as classes pobres, que não têm o gosto tão apurado e um estômago forte, capaz de se contentar com tudo o que mata a fome.”

Hoje, o tubérculo conquistou a Europa… e talvez o mundo.

 

A BATATA hoje...

Ao longo dos séculos, a batata deixou de ser vista como simples curiosidade botânica ou remédio exótico. Transformou-se num alimento essencial, acessível e versátil, com presença constante nas cozinhas de praticamente todos os países. Rica em hidratos de carbono complexos, vitamina C, potássio e fibras, é uma fonte energética importante e contribui para uma alimentação equilibrada.

A sua capacidade de adaptação a diferentes climas, solos e técnicas agrícolas fez dela uma solução eficaz para problemas de escassez alimentar, especialmente durante os períodos de guerra, crises económicas ou más colheitas. Foi precisamente essa adaptabilidade que a tornou crucial para a sobrevivência de milhões de pessoas, como sucedeu na Irlanda durante o século XIX — embora o caso irlandês também tenha evidenciado os perigos de uma dependência excessiva de uma única cultura agrícola.

Ingredientes e tipos de batata

Existem centenas de variedades de batata, adaptadas a diferentes fins culinários. Em Portugal, distinguem-se, por exemplo, as batatas para cozer, fritar ou assar. Cada tipo possui características específicas:
  • Batata branca: ideal para purés e cozeduras, graças à sua textura mais suave.
  • Batata vermelha: mantém melhor a forma depois de cozida, ótima para saladas.
  • Batata-doce: apesar de pertencer a uma família diferente, é cada vez mais usada na culinária portuguesa.
Além do tubérculo em si, a batata pode ser combinada com diversos ingredientes, como azeite, alho, cebola, natas, queijo, bacalhau ou carne, criando pratos reconfortantes e nutritivos.

Uso na gastronomia: da simplicidade à sofisticação

A batata é protagonista de inúmeras receitas tradicionais e contemporâneas. É um ingrediente democrático, presente tanto nas cozinhas mais modestas como nas mesas gourmet. Portugal, por exemplo, oferece uma verdadeira celebração da batata em pratos emblemáticos como:
  • Bacalhau à Brás: fios de batata frita combinados com ovos mexidos e lascas de bacalhau.
  • Carne assada com batatas no forno: clássico de domingo, com batatas a absorverem os sabores da carne e dos temperos.
  • Caldo verde: a base de batata, couve-galega e chouriço, representa a essência da sopa tradicional portuguesa.
  • Batatas a murro: esmagadas depois de assadas, regadas com azeite e alho, são um acompanhamento rústico e delicioso.
Na alta gastronomia, chefs reinventam a batata com apresentações elegantes e técnicas como o confitar, a espuma ou a desidratação, provando que a simplicidade do ingrediente não limita a criatividade.

Um símbolo cultural e identitário

Mais do que apenas alimento, a batata tornou-se um símbolo cultural em muitas regiões. Em países como a Polónia, a Alemanha ou a Rússia, é quase inseparável da identidade culinária local. Na Suíça, o rösti — um prato de batata ralada frita — é parte do orgulho nacional. Na Bélgica, as famosas batatas fritas são consideradas um património, muitas vezes servidas em cones de papel com molhos variados.

Em Portugal, embora menos "glamourizada", a batata está em todo o lado, das festas populares aos almoços familiares, dos piqueniques ao farnel de trabalho. A sua presença regular nas refeições demonstra o apreço e a confiança do povo português neste ingrediente humilde, mas indispensável.

Conclusão

A batata percorreu um longo caminho desde as terras altas dos Andes até aos nossos pratos. Ignorada, temida, depois tolerada e finalmente venerada, transformou-se numa das bases da alimentação mundial. É um exemplo claro de como a resistência cultural e a necessidade moldam os hábitos alimentares, e de como um produto do “Novo Mundo” se tornou parte essencial do quotidiano europeu.

Hoje, poucos ingredientes conseguem igualar a versatilidade, acessibilidade e valor nutricional da batata. Se a sua história começou envolta em desconfiança, o seu presente e futuro estão bem assegurados — nas mesas humildes e nas cozinhas de autor, a batata reina com sabor, tradição e criatividade.

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